domingo, 13 de março de 2011

Luís Pato, Forever Young? Excelência na Casa da Calçada

Todos os meses, acontecem os “Jantares com Alma” na Casa da Calçada, em Amarante. Um produtor apresenta os seus vinhos e a equipa de Vítor Matos, neste momento em grande forma, resolve com um jantar de arromba. Estive na de Luís Pato, um homem que como o Rato Mickey e o Júlio Isidro, não envelhece.

Em jeito de nota preambular, devo dizer que é sempre um enorme prazer voltar à Casa da Calçada, um paradigma de excelência 100% nacional. António Aguiar Branco é um director excepcional, um lutador nato e um grande líder. Eu sei que ele não gosta que se fale nele, mas o seu a seu dono. Depois de uma revoada, em que saiu Ricardo Costa para o mega-projecto Yeatman, em Gaia, foi contratado Vítor Matos – a quem o Tiara no Porto nunca soube dar nem valor nem liberdade, diga-se – e enfrentou-se a possibilidade da perda da estrela Michelin, que a casa havia recuperado com muito trabalho e esforço, depois de a ter perdido com a saída de José Cordeiro. Manteve-se a estrela, e como! A cozinha está segura, a equipa galvanizada e hotel funciona como um pequeno paraíso para quem gosta do repouso sofisticado. Parabéns, portanto a António Aguiar Branco e a toda a equipa.

Aconteceu no passado dia 26 de Fevereiro este Jantar com Alma, em que a estrela foi Luís Pato e o firmamento Vítor Matos. Cheguei à Casa da Calçada no momento do dia em que se deve lá chegar: ao anoitecer. Amarante de um lado, com a sua monumentalidade já iluminada, a pedir ao Tâmega que do outro lado se acenda também a grande casa que rouba o apelido ao clássico restaurante Zé da Calçada, mas a que dá, em casamento feliz, nobreza acrescida. Deixar malas, ir rapidamente ao quarto e descer, que Luís Pato já ali está, de laçarote, à espera dos comensais que se inscreveram no seu jantar, para lhes dar a provar os seus novos espumantes. Coisas, novas, coisas de sempre, e o acutilante sentido de humor do irreverente-conservador bairradino. Gostei a valer do Rosé – tenho esta coisa pelo espumante rosé, que hei-de eu fazer? – e do Baga/Bical 2010. Este vinho estava a dar uma prova excelente, com uma cor nacarada que evoca a grande tradição dos champanhes. Verguei perante a excelência do Informal 2010 que é feito a partir de uvas da Vinha Formal. Notas de prova semelhantes à variante tranquila do vinho, tudo certo e um prazer no nariz e na boca.

O brilho de Vítor Matos

Sempre que estive com o chefe Vítor Matos, fosse em show cookings animados por mim, mesas redondas, ou conversas de amigos, fiquei sempre com a sensação de estar perante um homem de fantasia imensa. Apercebi-me com o tempo do grande arsenal técnico que ele possui e de como o consegue pôr ao serviço do sabor e do gosto. Para os vinhos de Luís Pato, ainda tenho na memória o que creio ter sido o primeiro “Jantar com Assinatura” na sua adega e que foi genialmente concebido e produzido por Vítor Sobral. Curiosa a evocação, porque também ele é acérrimo defensor do sabor nos pratos. Por isso, e só por isso, não considero este o melhor jantar Luís Pato, mas foi de longe o mais sofisticado e inteligente.

15 - Começou-se com uma “Trufa de foie gras com Abafado Molecular branco e chips da Calçada”. A rapaziada da minha mesa atrapalhou-se um bocado com este prato, tentando perceber “o que era o quê”. Eu hoje tenho a certeza de que foi exactamente essa a ideia de Vítor Matos. A dita trufa era de chocolate, recheada com tons de foie gras e o vinho branco de Pato que o mundo já conhece. Harmonização difícil, mas penso, uma vez mais, que a ideia era abrir o palato e a temperança.

17 - Veio depois “Desfiado de sapateira com maracujá e esferificação de laranja, Lavagante glaceado com molho de ostras”, para o Espumante Informal 2010. Foi porque me garantiram que se tratava do mesmo espumante de antes de jantar e que já referi acima, porque por mim não chegava lá. Aqui está a importância da comida na valorização de um vinho. Lido no papel, fui objector de consciência do maracujá e da laranja esfericada, o primeiro porque poderia provocar efeito “escadote” na exploração aromática do vinho, exagerando a tonalidade tropical, a segunda porque sinceramente acho que esferificar é nada; acho que nem sequer é demonstração de domínio técnico, porque já se vendem kits para fazer em casa. Vítor, desculpa, mas não vejo por que é preciso chamar a atenção para esse pormenor particularíssimo; podias ter posto apenas “laranja”. A verdade é que o conjunto trabalhou muito bem, revelando conhecimento profundo do produto e cocção correspondente.

16,5 – Num conceito marítimo, surgiu “Os mariscos e os bivalves da nossa costa com lâminas de bacalhau, Algas mediterrânicas, salicórnia e creme de ouriço do mar”. Espectacular, tudo arrumado no prato pronto para a exploração individual e de conjunto. O prato foi produzido para o Espumante Bical/Cerceal 2010, e correu... bem. Não sei se um espumante, que para todos os efeitos é uma bebida refrescante, com bolhinhas, merece tanta profundidade. Eu senti demasiado o sal e faltou-me vinho. O que eu gostava que tivesse sido o Vinha Formal...

17,5 – “O Peixe-Galo e a Vieira corados com molho de Vinha Formal e açafrão, caviar de Arenque Moluga Imperial, minestra de legumes e cogumelos enoki”. Para o tão desejado Vinha Formal 2009. Limito-me a transcrever as minhas notas do jantar: dificilmente superável. Disparos de sabor, a entrada do vinho branco é fabulosa. Os sabores dos produtos nunca são mascarados. Difícil de conseguir, Vítor Matos. Bravo, Vítor Matos!

18 – Estive para dar o designativo de prato da noite ao anterior, mas vai para este. “Vitela Maronesa e o Coelho Transmontano em diversas formas e cozeduras, purés de ervilha, batata-doce e alho, carpaccio de Boletos e Milho estaladiço com tomate seco e chouriço”. A mim pareceu-me que a vitela e o coelho tinham tido, cada um duas cozeduras, correspondentes por sua vez a peças diferentes, e foi a primeira vez que vi num mesmo prato carne de vaca – era novilho, e não vitela, mas a moda é esta... – e coelho. Este último, na forma de costelinhas e coxinhas, bateu forte. Prato de grande porte criativo e de produção exemplar. Texturas totalmente conseguidas e harmonizadas entre si, com pontes no material de apoio presente no prato que fizeram da festa uma glória. Outra glória foi beber os tintos de Luís Pato. Rebel 2009 e Vinha Barrosa 2005. Que saudades dos tintos de Luís Pato. A falta que me fazem estes vinhos. O Rebel traz uma língua de fora e “diz qu’é rebelde”, mas não é. Ser rebelde é fazer vinhos do talante do Barrosa, Pan, Ribeirinho Pé-Franco...

16 – Vem então a saudação do mestre pasteleiro, um “Charuto de Avelãs Casa da Calçada n.º 5”, para assessorar o Abafado Molecular rosé. A proposta atira-me para o Celler de Can Roca (Girona) e só por isso já gosto menos. Depois, era preciso tê-la apresentado mais fria, se a ideia era produzir um pré-dessert, ou uma espécie de “trou normand”. Uma vez mais, um malabarismo técnico interessante, mas que não visou explicitamente a fruição e o sabor. Brilhou o vinho, de que até nem sou grande fã mas que neste quadro me agradou.

16,5 – A sobremesa propriamente dita foi um cheesecake, na forma de “Espuma de queijo fresco e limão com creme de frutos silvestres e crumble”, gerida pelo Abafado Molecular tinto. Solução demasiado doce para a delicadeza e moderação açucareira do vinho. Mas ficou-me na memória o creme de limão, de produção impecável, e sabores evocativos do merengue italiano. Muito bom.

A Casa da Calçada é sítio para usar e voltar a usar. Deixo um piropo, coisa que me sai muito raramente. É o melhor restaurante do país com chefe português. Parabéns Vítor Matos. Parabéns à equipa da Casa da Calçada. E parabéns ao António Aguiar Branco.

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