segunda-feira, 29 de julho de 2013

A lição de James Bond

Ter segurança no contacto com o sommelier pode, afinal, salvar-nos a vida!

O super-espião 007, James Bond, é uma só figura de muitas caras, o que é em si mesmo um feito. Em “Diamonds are Forever”, (1971), Sean Connery prova um grande vinho de Bordéus que lhe é servido por um assassino disfarçado de sommelier, mas que ele apanha logo na primeira curva. O empregado abre o vinho com uma daquelas agulhas cómicas que já se venderam por cá, injecta gás comprimido e a rolha salta para fora. Serve um pouco de vinho ao agente secreto, que o prova e comenta que “é bastante potente, não o sistema de tirar a rolha, mas o seu after-shave; suficientemente forte para enterrar tudo e mais alguma coisa. Mas o vinho é excelente, embora, para uma grande refeição, eu esperasse que me servisse um clarete”. Aqui, o sommelier assina a sua sentaça de morte, ao responder “concordo, mas infelizmente não temos mais claretes na nossa garrafeira”. James Bond fita-o nos olhos e diz “mas Mouton Rothschild é um clarete. Além disso, é a segunda vez que cheiro esse after shave, que já da primeira me tinha cheirado a rato”. Segue-se a proverbial pancadaria desenfreada, com Sean Connery a sair, como sempre, ileso. Neste curtíssimo trecho da história do cinema, de forma quase imperceptível, aprendemos mais que sentados em muitos cursos formais de iniciação ao vinho. A primeira aprendizagem é que o vinho de Bordéus é para os ingleses conhecido como “clarete”. O nome vem dos tempos em que o vinho perdia muita da sua côr na viagem de barco de Bordéus até Inglaterra, tanto pela agitação da viagem marítima como pela exposição ao sol; clarete é, de facto, sinónimo de vinho de Bordéus e é rigorosamente isso que significa, por muito que se lhe queira impor outras cosméticas. Em segundo lugar, há uma chamada de atenção para o cheiro do empregado que serve o vinho, experiência que quem frequenta restaurantes teve já de muitas formas e com intensidades diversas. Mais que um cheiro espúrio, enjoativo, muitas vezes devido a roupa que não vai muito à lavandaria, é o cheiro a perfume que mata a nossa percepção do vinho que provamos. Não é coisa em que eu pense muito, e felizmente não me acontece estar a pensar mais no perfume que o sommelier utiliza do que nos aromas e sabores do vinho que ele me está a propor. Em terceiro lugar, o civilizadíssimo agente Bond faz uma ponte entre o que vai comer e o vinho que vai tomar. É uma espécie de fantasia de refeição perfeita que anima o herói sedutor, bem acompanhado mas sempre alerta. Finalmente, percebe-se como facilmente se pode desmontar o conhecimento de um empregado de mesa mal treinado, fazendo-lhe algumas perguntas chave, a que só o conhecedor profundo consegue responder cabalmente. (Por acaso não sei quantos sommeliers portugueses sabem o que quer dizer clarete, mas também não é disso que estamos a falar.)
Gostava de ter visto a carta de vinhos que foi dada ao espião britânico para escolher o vinho do lauto e romântico jantar que está prestes a iniciar, mas a impecabilidade do ambiente e da decoração sugere-me fortemente que estamos num super-restaurante, três estrelas michelin, com uma cave copiosa e farta. Será deformação profissional, talvez, mas o meu pensamento vai rapidamente para como pela forma como a carta estava organizada teria sido simples embaraçar o empregado com duas ou três questões, e perceber que de facto ele não tinha formação de sommelier.
Fica espaço para pensar um pouco mais a sério sobre a eterna questão de como se deve avaliar a carta e o serviço do vinho num restaurante. À maneira de treino para não ser morto por James Bond, deixo alguns pontos para reflexão, sem ordem específica. 1) Diversidade. É o matiz variado das regiões, produtores, colheitas e estilos de vinho em geral, e tem gostinho de passeio virtual por entre delícias e sensações. 2) Qualidade. Contra as cartas feitas “pour épater la galerie”, repletas de títulos sonantes, há as cartas que resultam de uma escolha rigorosa e às vezes personalizada, de coisas verdadeiramente boas. 3) Preços. É cada vez mais fácil saber quanto custa um vinho na origem e calcular o “markup” imposto pelos intermediários ou pelo próprio restaurante. Nem sempre as margens maiores significam mais facturação... 4) Copos. Que sentido tem servir um grande vinho num copo de vidro grosso? 5) Indicação de Colheita. Por incrível que pareça, há muitos restaurantes que ainda não colocam o ano de colheita de cada título disponível na sua carta, quando de ano para ano tantas vezes as coisas mudam! 6) Arrumação da carta. Clareza de organização, facilidade de escolha e sobretudo transparência, são aspectos fundamentais. 7) Vinho a copo. Vai sendo um imperativo de serviço do vinho e aqui temos mesmo de andar depressa. Em qualquer parte da Europa, um bom restaurante não tem menos de 20 bons vinhos a copo. 8) Adequação dos vinhos à oferta sólida. É para acompanhar a comida que o vinho serve, afinal! 9) Especialização. Duas ou três regiões preferenciais numa mesma garrafeira de restaurante, indica cuidado com o consumidor, a quem um dia pode apetecer explorar as coisas boas de uma, noutro dia de outra. 10) Temperatura de serviço. Numa palavra apenas: crucial!

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