domingo, 28 de julho de 2013

Imagens em movimento - ai a TV!!!

Dentro dos canais temáticos, a gastronomia não podia estar mais ao rubro. Concursos, entrevistas, show-cookings, reportagens, harmonizações com vinhos, de tudo vemos a toda a hora. Estaremos nós preparados para o desafio?

Duas da manhã em Paris. Casa emprestada no coração do quartier latin, ligo a televisão e faço um zapping rápido, mais para ver o que se passava do que para combater a insónia, que raramente tenho. O dia tinha sido cheio de novidades e eu estava particularmente actuado pela ideia fixa de escrever sobre o que tinha visto nas mercearias locais, garrafeiras e um restaurante japonês que me impressionou muito, onde tinha estado a jantar. Enquanto zappava, permitia que me assaltasse o perigoso pensamento de que de facto em Portugal estamos a uma grande distância daquele primeiro mundo com que esbarramos sempre que vamos a Paris em balada gourmet. A ideia de outro mundo. No ecrã, de repente, Jean-Luc Petitrenaud, a fazer-me levantar o polegar do botão “P+”. Pus mais alto para ver o que se passava, porque ele estava ao pé do grande Paul Bocuse; o mesmo que tem três estrelas michelin há quase cinquenta anos no seu restaurante dos arredores de Lyon e de quem por cá se diz, de forma tragicómica, que está ultrapassado. Petitrenaud é um daqueles jornalistas gastronómicos que corporiza, mais que um crítico, um personagem. Tem formação de actor e desempenha como ninguém a função gastronómica de forma televisionável. A acção passa-se no restaurante de Bocuse após o encerramento, já noite adiantada, e Petitrenaud pergunta a Bocuse se ele concordava que a cozinha de estrelas michelin era toda ela um bocado complicada. Ele disse que não, que não havia coisa mais simples. E decidiu dar um exemplo, o dos “oeufs beaujolais”, leia-se ovos escalfados em vinho beaujolais. Num movimento cómico, Jean-Luc comenta o tamanho da panela de 10 litros que o chef decide utilizar, com um comentário de extremo bom humor: “acha que o ovo cabe aí?” Bocuse achou que sim, enquanto deitava para dentro do recipiente o conteúdo de nada mais nada menos que seis garrafas de vinho. O crítico coloca-se entre a câmara e o chef e faz um sinal tipo Obélix, “estes franceses são loucos”. Francamente divertido. Após o imenso caldo vínico começar a fervilhar, Bocuse parte um ovo para uma tigela e coloca-o cuidadosamente na panela para logo de seguida, com uma concha grande, imprimir um movimento rotativo ao ovo inteiro, enquanto falava sobre alguns aspectos da sua infância, e de como era bonito quando a mãe dele fazia aqueles ovos. “Vê, isto é fácil”, dizia o chef Bocuse, ao mesmo tempo que a câmara fazia um “zoom in” no ovo, que agora viajava a alta velocidade em torno do seu próprio eixo, sempre com o impulso certeiro da grande concha. Petitrenaud ironizava, ao mesmo tempo, com “sim, sim, facílimo”. E o ovo não parava de girar. De repente, tirou o ovo da panela, colocou-o num prato, picou salsa e decorou com ela o ovo. Comentário final de que a simplicidade é tudo, mas Petitrenaud diz ao grande chef “mas estragou para aí vinho que foi um disparate”. Assumiu o lugar do espectador e deu oportunidade ao cozinheiro de se explicar doutra forma. E de uma coisa trivial, conseguiu fazer um assunto televisivo que me pôs colado ao ecrã. No seu estilo teatral, a puxar ao cómico, percorreu a França inteira, fazendo programas todos eles de antologia. Uma vez, em Toulouse, encontrou um restaurante chic ao lado de um bistrot muito básico e fez uma proposta a ambas as casas: preparar uma galinha com legumes, cada uma ao seu estilo. Ao longo de 45 minutos, ele entrava e saía de cada lugar, sempre para ver o que acontecia em cada um, e de repente acontecia a refeição. Quando todos podiam pensar que aquilo acabava bem, eis que ele insulta o cozinheiro chic, dizendo-lhe que tinha exagerado nas natas e que o ponto de cozedura da galinha estava mais que passado. Vai ao bistrot do lado e dá os parabéns à senhora que tinha cozinhado a galinha, dizendo-lhe que era exactamente aquilo que as pessoas podiam e deviam esperar da sua casa. O primeiro chef ficou contrafeito, mas ele não foi em modas, junto ambos na mesma mesa e tiveram uma conversa a três enquanto bebiam uma cerveja. Brilhante.
É claro que os bons programas exigem equipas numerosas, produção, pós-produção e guiões cuidadosamente escritos. E entre o programa de Petitrenaud e uma filmagem estática de uma mesa com duas pessoas a comentar um vinho cabe todo um mundo de bom gosto, conhecimento e capacidade de comunicação. Mais tarde ou mais cedo, teremos de começar, até nós, a treinar-nos no vídeo e na televisão. E se há treino que é fundamental, é o de saber como se agarra e prende a atenção de um telespectador. Dinâmica, mudanças de planos, detalhes, montagem, animação, fundamental é comunicar. Sabemos todos que é um desafio grande o que aí vem, com a erosão do papel e a explosão do online. A pergunta é se vamos conseguir ou não e a resposta é: em princípio sim.

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