domingo, 28 de julho de 2013

Inspirações cósmicas em terras algarvias

É muito difícil, além de necessariamente injusto, fazer julgamentos do tipo “ o melhor restaurante”, hotel, praia ou vista. Como é evidente, depende dos critérios utilizados e do que se procura avaliar. Por muitas voltas que demos, nunca a questão do gosto será universal, nem tão pouco caminho para um alinhamento justo dentro de determinada categoria. Andando pelo Algarve atrás, fui há um par de semanas apanhado por pensamentos provocatórios – de mim para mim -, enquanto jantava no restaurante onde outrora existia um telheiro que servia peixe grelhado divinal. Deu lugar a um lugar que se entende como moderno, mas onde se come francamente mal. O dono morreu, explicaram-me, enquanto me tentava conter perante o odor da margarina queimada que erradamente marcava o fundo das minhas gambas ao guilho (“al ajillo”, como eu pedi, não tinham, “nós servimos é o guilho”). Tomaram conta do lugar e então “fizeram uma coisa mais moderna”. Os filetes de pescada eram cómicos; daqueles que nem de pescada são e que compramos no hipermercado, depois fritos em óleo de terceira categoria, à temperatura errada. O chão tremia, à passagem dos empregados, o que me pareceu estético, em sintonia com toda a insegurança da experiência. Era da construção de qualidade que fizeram, no lugar do telheiro de boa memória onde se comia como no céu. No fim paguei mais de 50 euros, saí dali com uma pena enorme do que ali aconteceu. Ao longo dos últimos 20 anos, habituei-me à ideia de que as coisas estavam a melhorar no Algarve. Um pouco por todo o lado, bom peixe, marisco, sítios bonitos, empregados bem treinados, até novos e bons produtores de vinho; tudo a sugerir que se estava melhor. Fiquei um bocado triste.
Mas não se pode tomar o todo pela parte e há muita gente em total contraciclo com o a fenómeno “armadilha de turista” que acabei de relatar. A excelência da alta cozinha está ao rubro no Algarve. Temos ali a nossa maior concentração de estrelas Michelin, e não é em vão nem, como muitos julgam, por força do capital. Se assim fosse, haveria mais no nosso país. Tal como o dono do telheiro que servia um peixe fabuloso, temos de ir à procura das grandes personalidades que estão por detrás dos igualmente grandes projectos. Claudia Jung, fundadora com o seu marido Klaus do super-restaurante Vila Joya, na Praia da Galé, já não está entre nós, mas começou um projecto de grande excelência que continua a merecer as duas estrelas Michelin que ainda ostenta. Aproveito para desejar à ainda jovem Joy, filha do casal Jung que assumiu em pleno a direcção daquela casa, que siga o seu coração enquanto motor da vontade e que jamais desanime; nós cá estamos, para tirar as pedras do caminho. E tenho de pôr os olhos na figura prodigiosa de Kurt Gillig, actual director do super-hotel Vila Vita Parc, em Alporchinhos. É chef de formação, trabalhou no Vila Vita ainda como cozinheiro, depois passou a director de vinhos e comidas e desde há alguns anos é o director geral do hotel. A sua obsessão pela qualidade e rigor, sempre a favor do cliente individual, encontrou braço valente no irrequieto e enérgico chef Hans Neuner, e fizeram do Ocean, o restaurante top do Vila Vita, o dois estrelas que é hoje. Na noite seguinte ao descalabro que relatei no primeiro parágrafo, jantei no Ocean. Já fiz lá várias refeições, mas devo confessar que só uma de há um ano, por razões que guardarei para sempre no meu coração, superou a sensação de redenção que tive. Coreografia de sala impecável. Serviço a toda a prova. Conhecimento dos empregados de cada prato. Sequência de proteínas e temperos no menu de degustação. Acerto dos vinhos escolhidos. Ritmo. Procurei na memória experiências semelhantes e vieram três, duas delas em Espanha, outra em França. Curiosamente, com o denominador comum de três estrelas Michelin. Não tenho dúvidas de que será o Ocean o nosso primeiro a chegar ao topo da escala.

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