quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Abrandar em Paço d'Arcos


Enquanto penso na ideia genial de Duarte Pacheco de construir uma estrada ribeirinha de ligação entre Algés e S. João do Estoril, provavelmente para que os portugueses pudessem apreciar a beleza do mar logo a seguir ao Tejo, bem como dar acesso a outras praias (e pensar que Algés era praia!), faço o percurso pela minha mão, de Lisboa para Cascais. Passo a Cruz Quebrada - etimologicamente que brada, e não quebrada - e olho para a generosidade que representa ter hoje duas faixas para cada lado na que é talvez a mais bela estrada do país. Pena que se tenha com o tempo tornado primeiro tão sangrenta, depois apenas uma forma de ir daqui para ali. Quando foi inaugurada, em 1940, era bem mais vagarosa e era uma diversão de gente grande, com as famílias instaladas nos seus carros. Uma espécie de riviera, sempre a adivinhar o mar logo ali ou a por-lhe os olhos. Uma emoção como a costa amalfitana, até por antecipar o caos que acabou por se instalar, com a pressa. Duas faixas para cada lado, com um separador central, só há pouco tempo de lés a lés. E controlos de velocidade. E operações stop. E ainda acidentes. Não vemos porque não queremos ver, mas a marginal transformou-se numa autoestrada que só muito lá ao longe nos deixa entrever o mar. A curva do Mónaco já não é mortal, mas é um susto pior que um navio fantasma, e ninguém fez nada, como é possível... E como o restaurante deu nome ao lugar, também o Palácio dos Arcos deu nome a Paço d'Arcos, diz-se que por D. Manuel I assomar à varanda com frequência. Antes de aí chegar contudo imagino no Solar das Palmeiras o super-oficiante chef Vítor Claro (Tel. 214 414 231) a conspirar com o seu grande talento contra a forma estática e aborrecida de executar receituário clássico como se fosse um totem inviolável. Vão lá provar os bacalhaus à narcisa e à conde da guarda que depois falamos. Detenho-me então no dito palácio, que está de cara lavada e alberga agora o primeiro cinco estrelas da cadeia Vila Galé (Tel. 210 493 200). Cozinha criativa centrada no sabor português, a de Francisco Ferreira, a permitir um almoço de genuína descoberta na varanda nascente, a esta hora sem sol a bater. Oportunidade para conferir a boa escolha de D. Manuel, da biblioteca desta casa, que á adjacente à sala de refeições, vê-se o mundo inteiro. E vê-se também o topo do edifício que alberga o restaurante Casa da Dízima (Tel. 214 462 965), onde se criou desde há algum tempo uma área bem agradável ao ar livre, para petisquice e mesmo refeições. Calhou-me mais uma descoberta que foi beber uma caipirinha com a assistência de fatias fininhas de presunto. Pode o mar ao fundo ter influenciado o julgamento, mas registei como positivo. Constato que do outro lado da via empedrada, o Gaijin, restaurante de sushi, tinha fechado e entristeço-me. Procuro com avidez um outro espaço a céu aberto, onde sempre se comeu bom peixe a preço justo, e lá estava ele, o Astrolábio (Tel. 214 410 381), com espaços dentro e fora bem povoados ao jantar, maravilha. E ao lado... o tal Gaijin (Tel. 916 058 762), que agora se mudou aqui para mais perto da marginal e portanto do mar. Penso que aqui a marginal de Duarte Pacheco cumpre o seu desígnio. Impossível passar a correr.

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