sábado, 15 de março de 2014

Deixem entrar as alcachofras



Lulas maravilhosas, graças à assessoria de um produto que insistimos em não considerar nosso! Muito está ainda por descubrir nestes terrenos.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Um Algarve para (re)descobrir

Entre os tempos idos da grande glória dos vinhos de Lagoa que o mundo conheceu e os de hoje medeou um tempo de transformação e gestação que criou um novo futuro para o Algarve. No que é talvez o único clima mediterrânico que Portugal tem, há hoje pessoas, vinhas e vinhos que é fundamental conhecer.

Conta com quatro denominações de origem controlada (DOC) - Lagoa, Lagos, Portimão e Tavira - mas é na Indicação Geográfica (IG) Algarve que o nosso território continental mais a sul tem vindo a congregar mais produtores, estilos e tendências. Tem sobretudo a ver com razões comerciais, mas exprime também um sentimento de orgulho algarvio que é inteiramente merecido. Tanto quanto desconhecido. A trajectória que tem vindo a calcorrear é num certo sentido semelhante à da Madeira, que desde o final dos anos 80 experimentou as castas mais diversas nos seus diferentes terroirs (solos e climas) para chegar aos vinhos madeirenses que hoje podemos provar nas mesas da ilha. O Algarve clamava desde há muito por talentos e investidores que fizessem jus ao tesouro que comporta nos seus solos. E como são variados! Argilosos, calcáreos, arenosos e até xistosos, disponibilizam um autêntico berço de ouro para novas vinhas e, claro, para vinhos originais. Quanto a castas, nos brancos encontramos hoje desde as mediáticas Chardonnay, Riesling, Sauvignon Blanc, Síria, Arinto, Antão Vaz, Verdelho e Viognier até às de muitos desconhecidas Diegalves, Malvasia-Rei, Manteúdo, Tamarez e Tália, marcando uma diferença importante em relação ao resto do país. Nos tintos, o mesmo cenário. Alfrocheiro, Baga, Bastardo, Moreto e todas as durienses mais utilizadas marcam as castas mais conhecidas e depois temos Monvedro, Negra-Mole, Pau-Ferro e Pexem a marcar o território mais nebuloso, mesmo para os que se interessam por vinho. O leque de umas e outras é bem mais vasto, o que diz já da diversidade que a Comissão Vitivinícola do Algarve (CVA), sabia e estoicamente dirigida por Carlos Gracias, pretende fomentar. O incremento da quantidade também é desejável, desde que acompanhada da indispensável qualidade. O Algarve produz actualmente cerca de 2,5 milhões de litros de vinho, dos quais apenas 15% é branco. Esta é a primeira perplexidade, face a um território que consome, serve e vende peixe e marisco da melhor qualidade. Em termos de categorias, a IGP Algarve representa cerca de metade dos vinhos certificados, contra as quatro DOP já apontadas, que juntas rondam os 15% da região. Isto ocorre em parte porque a designação - evanescente da categoria Regional Algarve - permite mais liberdade nas castas utilizadas. Estão bastantes enólogos de primeira linha a trabalhar o perfil dos vinhos algarvios, como por exemplo Paulo Laureano, João Póvoa, António Maçanita e Mário Andrade. E todos os que se aproximam da região ficam com vontade de trabalhar o glorioso produto que cresce nos seus matizados solos vinhateiros. O vinho rosé - ou rosado - está em franca ascensão e a descolagem do vizinho Alentejo é definitiva. Falta talvez ainda resolver ou afinar a utilização da madeira no estágio dos vinhos. Hoje sabe-se que é mais amigo da boa companhia e da boa mesa o vinho equilibrado e elegante; a madeira só deve entrar tanto quanto ajude á longevidade e complexidade do vinho. Há contudo que respeitar e conhecer todo o património antigo dos vinhos algarvios, para então se avançar com o necessário conhecimento de causa. Esse é um papel repartido entre enólogos e proprietários, pois só com uma grande sintonia entre ambos se consegue produzir o vinho pretendido, ano após ano. É bom, por isso, que exprima intenção e saber-fazer, e é desses vinhos que a história vai falar. Afinal, está na forja o novo Algarve.

Fundamental fazer diferente

Joaquim Lopes e seu filho Tiago gerem hoje uma das mais excitantes marcas do vinho algarvio. Na Quinta do Outeiro, em Silves, criaram o Paxá. O termo data dos tempos do império otomano e significa "excelência", fazem questão de conta, acrescentando que era o título dos governadores de  província de então. O experimentado Mário Andrade é o responsável pela enologia da casa, ele próprio, tal como o proprietário, advogam que os bons vinhos começam a ser feitos na vinha. É relativamente pequena a vinha - 7,5 ha - e está dividida em cinco parcelas, correspondentes cada uma a sua casta, por sua vez vinificada individualmente. As brancas são Arinto e Alvarinho, as tintas Touriga Nacional, Aragonez, Syrah e Alicante Bouschet e os solos são argilo-calcários, uma combinação frequente no território algarvio. O Paxá XII é produzido a partir das três castas tintas disponíveis e é o topo de gama deste produtor. É um dos mais sofisticados títulos de todo o Algarve e a 24 Euros a garrafa há razões para ser mais conhecido. A marca Paxá, disponível em rosé, branco e tinto é a cerca de metade um convite irrecusável, e a entrada de gama "QO" a 5 euros coloca Joaquim Lopes entre os campeões da relação qualidade/preço. Para chegar aqui, contribuíram os mais de 30 anos de engenharia agrícola. Um dos pioneiros do vinho algarvio é João O'Neill Mendes que nas suas vinhas na Mexilhoeira Grande, em pleno barlavento, criou vinhos com uma frescura invulgar. Ganha prémios - os mais recentes com o Tapada da Torre licoroso branco e com o Alvor rosé - mas não repousa nunca sobre os louros; antes trabalha de forma sustentada e constante na melhoria dos seus néctares Uma pequena conversa com este criador de vinhos chega para perceber a sua boa intranquilidade. Os prémios mais recentes, por exemplo, aconteceram porque decidiu plantar um hectare de moscatel roxo; a mesma de Azeitão. Nas vinhas brancas, tem Síria, Arinto e Viognier e nas tintas Syrah (maioria), Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e Aragonez. Os títulos dos vinhos são três: Alvor - topo de gama -, Tapada da Torre e Foral de Albufeira. Para os lados do barlavento, em Tavira, está Quinta dos Correias, o único produtor com vinhos DOC Tavira. Orgulhosamente só, Ricardo Silva e Sousa fala da importância histórica da quinta desde há muito propriedade da sua família, onde os ingleses de Gribraltar outrora se abasteciam, ao mesmo tempo que faziam as delícias dos portugueses. A marca mais conhecida é a Fuzeta, um tinto de 5 Euros produzido a partir de Cabernet Sauvignon, Castelão e Aragonez que tem alguma expressão no Algarve mas que o resto do país praticamente desconhece. O mesmo perfil tem o Terras da Luz que a 7 Euros é uma homenagem à Freguesia da Luz-Tavira onde é produzido. Em Portimão, Maria Clara e Ana Sofia Pimentel apoiaram-se nos saberes dos enólogos Paulo Fonseca e Jorge Magalhães para criar a marca Herdade dos Pimentéis que rapidamente foi catapultada para os lugares cimeiros da província algarvia. Pelo menos em relação qualidade/preço distinguem-se claramente dos restantes. O Reserva tinto 2011 é vendido a 9 Euros  e é o topo de gama. Muito para escolher e provar, portanto.

Redescobrir o pato

Já não é assim que se vai aos patos, mas o imenso arsenal de ilustrações e fotografias de caça que diariamente encontramos faz-nos continuar a alimentar o imaginário do tiro e queda nas charcas ou lagos de manhã cedo.

O pato de consumo é normalmente uma ave de criação e o seu arsenal de ferramentas de adaptação original ao meio ambiente permanece no código genético da que é uma ave desejada pelos mais reputados cozinheiros mundiais. Carne vermelha e de textura macia, bem irrigada de sangue; camada adiposa copiosa, a envolver todo o corpo, com sabor particularmente rico; e atreita a vários tipos de cozedura; fazem do pato um dos mais flexíveis ingredientes na cozinha. A cozinha francesa dedica-lhe algumas das páginas mais nobres dos cardápios que sustenta, trabalhando-a normalmente mal passada. A chinesa apresenta pratos que constituem, só por si, passaportes para todas as partidas do mundo. Nós por cá também lhes fazemos as honras, pois então! Gostamos dele assado inteiro no forno, tostadinho e a certo ponto da nossa história demos-lhe o arroz. Arroz de pato e arroz com pato são pratos de assinatura bem portuguesa. A gordura de que falámos anteriormente é um aspecto importante de sabor e cozedura dos pequenos grãos, que a passagem pelo forno quente eleva ao estatuto de pajem, assessorando o rei patudo na perfeição.
Quando vamos às compras num supermercado, o cenário é hoje bastante diferente do de outrora, com o pato a ombrear já nos lineares com as carnes mais populares. O que encontrávamos fresco apenas nalguns dias de alguns talhos e congelado nas grandes superfícies, está hoje bem mais disponível, na variante fresca. Pequeno paraíso para quem se interessa pela diversidade em casa,  a começar nas pernas - ou coxas - disponíveis embaladas em vácuo, óptimas para confitar no forno ou ou num tacho, imersas em banha de pato. Ao fim de algumas horas está pronta a delícia, praticamente sem intervenção de sabores, marinadas nem temperos. Os magrets - ou peitos - existem já em consistências e dimensões diversas, e também se encontra fígados frescos de pato com relativa facilidade, a partir dos quais se pode construir molhos e recheios com muito sabor. Em jeito de prémio, encontra-se também nos escaparates gourmet o que abusivamente se chama presunto de pato, que na verdade são os magrets curados e embalados, apresentados reduzidos já a finas fatias, prontos a servir. A cozinha portuguesa tem desde sempre soluções para estes produtos que agora nos são propostos a preços atraentes. Finalmente, há que ir conferindo as mais valias do foie gras de pato, em preparados acessíveis e embalados. Não é tão subtil nos aromas e textura como o de ganso, mas tem normalmente muita personalidade, absorvendo bem os temperos e tratamentos que se lhe põem. Mãos à obra?