sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Este vale é todo meu

O Douro Vinhateiro tem muitas portas de entrada e apesar de todas elas conduzirem ao grande e belo vale, definem a personalidade de cada terroir duriense. Conhecê-lo a fundo é assunto para toda a vida e, se contarmos com o vinho do Porto, para muitas gerações. Ao mesmo tempo e por se tratar de uma das grandes regiões mundiais de vinho, é imperativo conhecê-lo melhor.

Estamos tão habituados a falar de Trás-os-Montes e Alto Douro como província que não nos damos conta das transformações de perfil por que passou nos últimos tempos. O Douro de hoje seria irreconhecível para os durienses de há 60 anos. Hoje reconhecemos claramente as três grandes regiões – Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior – como grandes produtoras de uvas para os vinhos do Porto e Douro, mas outrora eram as duas primeiras que compunham o grosso do Alto Douro. O Douro Superior, a parte que fica a montante do Cachão da Valeira, ocupa 44% da área total de todo o Douro Vinhateiro e as vinhas não páram de crescer. Ou seja, o vale está a expandir-se para Leste, ou Nascente, de forma inequívoca e irreversível. Se pensarmos que é para esses lados que ficam quintas de primeiríssima linha e também de grande extensão, tais como Vesúvio, Senhora da Ribeira e Vale Meão, vemos que esse crescimento era inevitável. No resto do grande vale, é verdade que há verdadeiras pérolas vitícolas, de classe mundial, mas as áreas são menores; há mais proprietários com parcelas pequenas e médias de vinha. Para termos uma imagem correcta e verdadeira da produção de vinho do Porto, devemos perceber que é aqui que ainda reside a sua grande força, distribuída embora por cerca de 33 mil produtores, com áreas médias de vinha de apenas 1 hectare (ha). É aqui, no entanto, no antigo Alto Douro – Baixo Corgo e Cima Corgo – que ainda está a maioria dos vinhedos, cerca de 56% do total. Numa perspectiva de densidade de plantação, vemos quem ainda “manda” no Douro. O Baixo Corgo, que ocupa apenas 18% da área total, tem 32% ocupados com vinha. O Cima Corgo representa 38% da área bruta – mais do dobro do Baixo Corgo, note-se – e tem 22% preenchidos com vinha. O Douro Superior ocupa uma área gigantesca, mas apenas 9% está ocupado com vinhas. Cenário que de ano para ano está a mudar, com uma explosão exponencial de vinha plantada.
Caixa de Pandora
Portugal é uma terra de prodígio no tocante à diversidade. Deslocamo-nos 60 quilómetros em qualquer direcção e temos mudanças radicais de estilo e perfil dos vinhos. No Douro, são apenas seis os que temos de percorrer para encontrar uma nova abordagem e perspectiva, quando não uma nova paisagem. Castas, sistemas de condução de vinha, e flechas de altitude que às vezes rondam os 400 metros numa mesma propriedade, são algumas das razões. O vinho de mesa está a subir em importância e preferência dos consumidores, confirmando a posição do Barão de Forrester quanto ao futuro da região, diametralmente oposta à da poderosa Dona Antónia Adelaide Ferreira – a Ferreirinha – que defendia acerrimamente as virtudes e rentabilidade do vinho fortificado, ou vinho do Porto. A excelência deste continua a dar bom dinheiro a ganhar, mas o mundo está muito interessado nos vinhos de mesa do Douro. Espera muito da região e com razão, porque ainda agora começou a mostrar parte do seu potencial.
A juntar à diversidade de castas, microclimas e altitudes, os solos e as vinhas velhas são trunfos esplendorosos e irrepetíveis no mundo inteiro. Devemos aos antepassados dos irmãos galegos a construção da paisagem duriense, com os seus socalcos, terraços e pomares a obrigar-nos a suster a respiração, como se tivesse sido a natureza a esculpi-la. Quem tiver dúvida desta importação maciça de mão-de-obra, deve passar a fronteira e ir até à Ribeira Sacra, na Galiza. Aí, os lugares de vinha têm mais 200 anos que os do Douro e as inclinações tornam impossível percorrê-los a pé. Beneficiámos, por isso, de um impulso tecnológico; as nossas linhas de vinha estão impecavelmente niveladas, consegue-se uma drenagem exemplar das águas pluviais – quase sempre... – e o xisto irradia o calor certo para levar as uvas ao colo até à vindima. Nas zonas mais baixas, junto ao rio, ao contrário do que muitos afirmam, o ar é praticamente irrespirável no Verão, no período que antecede as vindimas. Quem conhece o Douro sabe que as noites em que as folhas não mexem são noites de inferno, a temperatura praticamente não desce. Nas zonas de cota mais elevada, aí sim à noite sempre fica um pouco mais fresco e por isso é de onde estão a surgir grandes brancos. Os xistos de transição e a transição do xisto para o granito são outra explicação para este fenómeno, de que podemos esperar resultados superlativos. O sistema radicular da videira tende a procurar mais a pedra que a água e as vinhas velhas demonstram este fenómeno nos vinhos que originam. Frescura, corpo e profundidade, oferecidos num mesmo vinho, constituem praticamente a definição dos vinhos do Douro. Mas, como em tudo, há nuances que fazem toda a diferença.
Em Vila Real, dentro do espaço do bonito Palácio Mateus, foi plantada uma vinha de Sauvignon Blanc que é hoje um dos títulos de proa da Lavradores de Feitoria. A 550 metros de altitude, os maciços graníticos quase fazem falar os vinhos, tal a sua expressividade, e de forma bem diferente da que nos chega dos vinhos do mundo baseados nesta casta. Associa-se pouco esta cidade à região do Douro, mas faz parte da denominação de origem e forma, juntamente com Sabrosa, Alijó, Murça e Vila Flor, uma linha norte de entrada no Douro, toda ela bordejada por afloramentos graníticos e xistos carbonosos. E isso sente-se, por exemplo, na qualidade e tradição dos moscatéis. Uma marca que se tem revelado excepcional a este respeito é a Fragulho, da Casa dos Lagares, em Cheires. Vinhos de grande longevidade e especiais. Também em Alijó, consegiu o irrequieto Tiago Sampaio fazer os seus Olho no Pé, de que é impossível não destacar o fabuloso Pinot Noir e os brancos cheios de personalidade. É também por aqui que Celso Pereira faz os espumantes Vértice, a ombrear com muitos bons champanhes, bem como o tinto inefável Quanta Terra. Descemos um pouco pela fronteira duriense e damos com Torre de Moncorvo, terra de amêndoas, azeite e vinho. Andam por aqui, discretamente, alguns dos melhores xistos do Douro. Confirmamo-lo de imediato logo na Foz do Sabor, na Quinta de Vila Maior e nas vinhas detidas pela Quinta do Crasto neste Douro Superior, produzindo o Crasto Superior. Do outro lado do rio, margem sul portanto, está o Vale Meão, que dispensa apresentações porque todos os anos provoca sensação. Era dali que vinha a maioria das uvas do Barca Velha, mas o Douro e eo talento dos seus enólogos têm conseguido produz ambos os grandes vinhos desde há treze anos, sem interrupção. Entre Vila Nova de Foz Côa e Freixo de Espada à Cinta, tem a Casa d’Arrochella mostrado vinhos cheios de vigor e concentração, mas ao mesmo tempo de extrema elegância, sob a marca Grandes Quintas. Um novíssimo agente no vinho e nestas paragens, a Quinta da Mieira, está a produzir brancos de uma mineralidade e profundidade inexcedíveis, em vinhas de enormes declives, lado a lado das que originam o fantástico vinho tinto Mapa. E não está longe a Conceito, autores de vinhos excelentes, tanto brancos como tintos, e até um Bastardinho, casta outrora hiperabundante e mantida por esta casa singular. De repente, estamos no extremo sul do Douro vinhateiro, pisando bom e são granito que vai ainda dar cartas sérias no futuro. Caminhamos para poente, penetramos de novo no Cima Corgo e a Quinta do Vesúvio é logo ali. Majestática, também se virou para a produção de vinho de mesa – e como! – além de ter trazido ao mundo um Porto Vintage, intitulado Capela do Vesúvio, que é de beber e chorar por mais. Meda, Tabuaço e Armamar são as localidades que bordejam mais cá em baixo o prodigioso vale, verdadeira caixa de Pandora. Sâo imperdíveis os vinhos Carvalhas, marca de topo recentemente criada pela Real Companhia Velha; os da ainda estreante Quinta do Pôpa; e os já clássicos da Quinta da Casa Amarela.
O azeite tem ponteado desde sempre a história do Douro, recebendo influências tanto beirãs como transmontanas. No assunto do ouro líquido, no entanto, a lógica de solos é quase toda assente no xisto, sendo o solo que faz cantar as azeitonas nos imensos olivais centenários, a que ainda se fará a devida justiça. Simplificando, os azeites do Douro formam dois grandes grupos. Os do Douro Superior mostram-se intensos em notas de frutos secos, são amargos e picantes, enquanto os de Cima Corgo e Baixo Corgo são mais frescos, doces, mantendo embora o picante nas notas de prova. No primeiro grupo, temos azeites excepcionais como Quinta do Ataíde (Symington), Almogral (Sogevinus) e Grandes Quintas (Arrochella), enquanto no segundo encontramos produtos cheios de raça e graça, como Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, Quinta do Crasto e Quinta de Vargellas (Fladgate).

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