Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de toda a
[ gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje.)
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, por que é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
(Álvaro de Campos)
domingo, 22 de outubro de 2017
quarta-feira, 11 de outubro de 2017
Latinhas que valem ouro
Está mais que na altura de nos rendermos de vez às boas conservas de peixe. Aplicações culinárias diversas e sabor bem trabalhado são grandes pontos de avanço em relação até ao produto fresco.
Se algumas vezes damos tudo por recente, facilitando na investigação histórica, outras há em que a linha do tempo é bem mais extensa do que a fazíamos. A prática conserveira veio instalar-se no nosso país no último do séc. XIX, na sequência da extinção da sardinha nos mares da Bretanha. Os nutrientes da nossa costa e a qualidade indiscutível do nosso pescado fizeram com que pegasse bem forte esta indústria especialíssima, transformadora do fresco em durável. Nos anos 30, Setúbal era a grande capital conserveira do país. Matosinhos, Portimão, Olhão e Peniche estavam a seguir e só somadas ombreavam com a capital sadina. Veio entretanto a epopeia do atum, com as grandes indústrias algarvias a ganhar preponderância. Mais tarde, a deslocalização para os Açores e nos tempos recentes a franca revitalização de toda a actividade, com as pequenas latinhas a atingir o pleno de qualidade e uma popularidade crescente. O que foi nos anos 70 um produto de segunda categoria na mesa dos portugueses, reservado apenas para os momentos de aflição, é hoje um produto nobre, a que devemos devolver o lugar de glória.
As conservas de peixe dividem-se em dois grandes grupos, correspondentes por a dois estilos diferentes de produção. Num, o peixe é cortado e preparado fresco, depois acondicionado nas caixinhas de alumínio, e só então submetido à cozedura. Consegue-se identificar esta técnica quando abrimos a lata e vemos o peixe desalinhado, sem organização dentro da embalagem. No outro, mais nobre, o peixe é tratado, cozido em vapor e depois embalado, resultando num controlo de qualidade maior, já que cada peça é manuseada individualmente. Verdadeiro trabalho de chinês, paciente e aturado, mistura de pescador amador e ourives, que vai construindo pilhas de latinhas que contêm verdadeiras delícias. Não é muito do conhecimento público que as conservas produzidas de forma natural contêm tantos ou mais nutrientes do que o produto fresco, já que esta não foi seleccionado nem acondicionado no seu ponto óptimo.
Fev'13, Notícias Magazine
Se algumas vezes damos tudo por recente, facilitando na investigação histórica, outras há em que a linha do tempo é bem mais extensa do que a fazíamos. A prática conserveira veio instalar-se no nosso país no último do séc. XIX, na sequência da extinção da sardinha nos mares da Bretanha. Os nutrientes da nossa costa e a qualidade indiscutível do nosso pescado fizeram com que pegasse bem forte esta indústria especialíssima, transformadora do fresco em durável. Nos anos 30, Setúbal era a grande capital conserveira do país. Matosinhos, Portimão, Olhão e Peniche estavam a seguir e só somadas ombreavam com a capital sadina. Veio entretanto a epopeia do atum, com as grandes indústrias algarvias a ganhar preponderância. Mais tarde, a deslocalização para os Açores e nos tempos recentes a franca revitalização de toda a actividade, com as pequenas latinhas a atingir o pleno de qualidade e uma popularidade crescente. O que foi nos anos 70 um produto de segunda categoria na mesa dos portugueses, reservado apenas para os momentos de aflição, é hoje um produto nobre, a que devemos devolver o lugar de glória.
As conservas de peixe dividem-se em dois grandes grupos, correspondentes por a dois estilos diferentes de produção. Num, o peixe é cortado e preparado fresco, depois acondicionado nas caixinhas de alumínio, e só então submetido à cozedura. Consegue-se identificar esta técnica quando abrimos a lata e vemos o peixe desalinhado, sem organização dentro da embalagem. No outro, mais nobre, o peixe é tratado, cozido em vapor e depois embalado, resultando num controlo de qualidade maior, já que cada peça é manuseada individualmente. Verdadeiro trabalho de chinês, paciente e aturado, mistura de pescador amador e ourives, que vai construindo pilhas de latinhas que contêm verdadeiras delícias. Não é muito do conhecimento público que as conservas produzidas de forma natural contêm tantos ou mais nutrientes do que o produto fresco, já que esta não foi seleccionado nem acondicionado no seu ponto óptimo.
Fev'13, Notícias Magazine
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